sábado, 30 de abril de 2011

Em algum lugar

A névoa que recobre a madrugada encanta
O sereno acaricia a dureza das ruas em silêncio
Arrefece o coração carpido do poeta em desalinho
As sombras se esgueiram em cada canto e gritam em cada cria
As luzes do morro bailam com o vento
Que traz consigo a lembrança de que em meio ao caos há vida
Em algum canto há alguém a sorrir em demasia
Noutro há uma mãe a chorar com um filho que desfalecia
Em algum lugar há dois amantes rodopiando ao som de seus corações
Noutro há inúmeros corações afogados em profunda solidão
Em alguma esquina há um homem esperando sua condução
Enquanto por aí há caminhantes aos montes sem direção
Em algum lugar há uma criança que nasce para a vida
Sem saber que ali mesmo já começara a morrer
Tão pura quanto a flor que desabrocha na primavera
Sem saber que o vil inverno ainda chegará
Em algum lugar há alguém que está traindo seu amor
Tolamente sem saber que está traindo suas próprias convicções
Noutro lugar há alguém amando loucamente
Enquanto em outros alguém espera somente uma oportunidade de amar
Em algum lugar há alguém que ora agradecendo pelo dom da vida
Em tantos outros o suicídio não para de rondar
O poeta carrega a desgraça dos homens
Lhe foram dados olhos para enxergar
E um sentimento que não permite que se debruce sobre si
É tanta dor e tanta alegria que não se consegue respirar
A noite fantasmas vem lhe visitar aos risos
E pela manhã os anjos vem lhe guiar aos prantos
Num viver em eterna tensão a espera do milagre
Em crer que é possível acreditar na humanidade
Que o amor voltará a beijar-lhe a face
Acreditar que a sorte não é uma utopia
E que apaixonar-se a primeira vista é possível(Sim, é...)
É rir das tolices do coração e chorar de emoção
Ter fé de que a poesia não lhe abandonará em sua solidão
De que irá sentir o gosto de suas lágrimas correndo pela garganta
E perder-se nas sinuosas estradas de sua insônia
Levantando seu semblante decaído diante de sua maior fraqueza
Num tempo em que virtudes são raras de se encontrar
É reconhecer-se na fragilidade humana
Ser duro quando a vida demanda
E ser terno consigo próprio para aprender a amar. 

domingo, 24 de abril de 2011

Soneto de Adeus do Poeta

De tanto buscar o inefável sorriso
O absorto poeta encontrou o pranto
Nas palavras soltas se viu indeciso
Ah! Este mundo precisa de acalanto


Redescobrir a esperança é preciso
Encontrar no outro um olhar de encanto
Olhar para si e ver que há um paraíso
Transformando a morada do coração em recanto


De que adianta ter um olhar conciso
Se ser poeta é estar em cada canto
E chorar pelo desnecessário e impreciso


É amar com zelo e ao mesmo tempo tanto
Acreditando na tola humanidade então me paraliso
De nada adianta. Vou-me embora e me levanto...

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Prelúdio

A noite chega de rompante
Os astros e estrelas em seu tímido cintilar
A abóbada celeste enegrecida
Uma estrada à frente e faltam pés para caminhar


O silêncio que nasce da monotonia
Que açoita a inquietude da mente
Como um corpo sem sombra
Que insiste em caminhar indolente


Nesta noite ninguém estava nas ruas
Os bêbados não mais jaziam pelas calçadas
Os amores não estavam mais a namorar no portão
Nesta estrada caminha somente a solidão


No horizonte enevoado da vida mora o sentido
Que nos leva a direção alguma
Como perdidos num forte vento de outono
Flutuamos ao léu como a mais leve pluma


Involuntariamente esticava o braço
A mão procurava ao lado outra para segurar
Mas não havia ninguém...
Nem ao menos para um beijo ou um abraçar


Despido de razão, uma lágrima escorreu pela face
Num gesto tolo, esboçou um sorriso pálido
Percebeu que assim era pra ser
E rendeu-se ao choro que lhe consumia ávido


A noite é somente o prelúdio
A madrugada é o berço
Respirar é a condição
Para o alvorescer de um novo dia.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Transforme-se

Sempre é preciso saber 
quando uma etapa chega ao final.

Se insistirmos em permanecer nela 
mais do que o tempo necessário, 
perdemos a alegria 
e o sentido das outras etapas que precisamos viver. 

Encerrando ciclos, 
fechando portas, 
terminando capítulos, 
não importa o nome que damos.
O que importa é deixar no passado 
os momentos da vida que já se acabaram.

Foi despedido do trabalho? 
Terminou uma relação? 
Deixou a casa dos pais? 
Partiu para viver em outro país? 
A amizade tão longamente cultivada 
desapareceu sem explicações? 
Você pode passar muito tempo 
se perguntando por que isso aconteceu. 
Pode dizer para si mesmo 
que não dará mais um passo 
enquanto não entender as razões 
que levaram certas coisas, 
que eram tão importantes e sólidas em sua vida, 
serem subitamente transformadas em pó. 

Mas tal atitude 
será um desgaste imenso para todos: 
seus pais, seu marido ou sua esposa, 
seus amigos, seus filhos, sua irmã...
Todos estarão encerrando capítulos, 
virando a folha, 
seguindo adiante, 
e todos sofrerão ao ver que você está parado. 

Ninguém pode estar ao mesmo tempo 
no presente e no passado, 
nem mesmo quando tentamos 
entender as coisas que acontecem conosco. 

O que passou não voltará: 
não podemos ser eternamente meninos, 
adolescentes tardios, 
filhos que se sentem culpados 
ou rancorosos com os pais, 
amantes que revivem 
noite e dia 
uma ligação com quem já foi embora 
e não tem a menor intenção de voltar. 

As coisas passam 
e o melhor que fazemos 
é deixar que elas realmente possam ir embora. 

Por isso é tão importante 
(por mais doloroso que seja!) 
destruir recordações, 
mudar de casa, 
dar muitas coisas para orfanatos, 
vender ou doar os livros que tem.

Tudo neste mundo visível 
é uma manifestação do mundo invisível, 
do que está acontecendo em nosso coração 
e o desfazer-se de certas lembranças 
significa também abrir espaço 
para que outras tomem o seu lugar. 
Deixar ir embora. 
Soltar. 
Desprender-se. 
Ninguém está jogando 
nesta vida com cartas marcadas. 
Portanto, às vezes ganhamos e às vezes perdemos. 

Não espere que devolvam algo, 
não espere que reconheçam seu esforço, 
que descubram seu gênio, 
que entendam seu amor. 

Pare de ligar sua televisão emocional 
e assistir sempre ao mesmo programa, 
que mostra como você sofreu com determinada perda: 
isso o estará apenas envenenando 
e nada mais. 

Não há nada mais perigoso 
que rompimentos amorosos que não são aceitos, 
promessas de emprego 
que não têm data marcada para começar, 
decisões que sempre são adiadas 
em nome do "momento ideal". 

Antes de começar um capítulo novo 
é preciso terminar o antigo: 
diga a si mesmo que o que passou, 
jamais voltará. 

Lembre-se de que houve uma época 
em que podia viver sem aquilo, 
sem aquela pessoa... 
Nada é insubstituível, 
um hábito não é uma necessidade. 

Pode parecer óbvio, 
pode mesmo ser difícil, 
mas é muito importante. 

Encerrando ciclos. 
Não por causa do orgulho, 
por incapacidade, ou por soberba.
Mas porque simplesmente 
aquilo já não se encaixa mais na sua vida. 

Feche a porta, 
mude o disco, 
limpe a casa, 
sacuda a poeira. 

Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é.